Título: Memórias de um Sargento de Milícias
Autor: Manuel Antônio de Almeida
Primeira publicação: 1854
Modalidade: Ficção
Minha Edição: Editora Globo
“Quando temos apenas 18 a 20 anos sobre os ombros, o que é um peso ainda muito leve, desprezamos o passado, rimo-nos do presente, e entregamo-nos descuidados a essa confiança cega no dia de amanhã…”
Em constante reflexão de seu tempo, a pena de Manuel Antônio de Almeida deixou marcas expressivas em nossa literatura. Formado em Medicina, sem nunca chegar a exercer a profissão, ele ingressou no mundo das letras como revisor e redator em publicações periódicas, destacando-se pelas crônicas, artigos e ensaios de caráter crítico. Foi tipógrafo, professor e sócio integrante do Congresso das Sumidades Carnavalescas, uma das primeiras sociedades a promover desfiles de Carnaval no Rio de Janeiro. Muito interessado pelos assuntos políticos, estava para tentar a sorte com os eleitores, candidatando-se a deputado provençal, quando faleceu vítima de um naufrágio. Seu único romance, Memórias de um Sargento de Milícias, foi publicado anonimamente em folhetim, ocupando a diversificada seção “A Pacotilha” do jornal Correio Mercantil, entre junho de 1852 e julho de 1853, sendo posteriormente lançado em livro sob o pseudônimo de “Um Brasileiro” (só traria a assinatura do autor em edição póstuma, datada de 1863). A obra, afiada em ironia, traça um retrato bem humorado da vida no subúrbio carioca do começo do século XIX.
O enredo é centrado nas aventuras de Leonardo até este obter o cargo militar do título. Ademais, a narrativa não se desenvolve como um relato memorialístico do personagem principal, tendo início antes mesmo de seu nascimento, com o primeiro contato entre seus pais, os portugueses Leonardo Pataca e Maria da Hortaliça, que se conhecem no navio que os traz para o Brasil. Ficamos logo sabendo que a mãe abandonara o companheiro, largando com ele o filho também chamado Leonardo, fugindo para a terra natal na companhia de um comandante de embarcação. A decepção faz Pataca deixar o menino aos cuidados do compadre e padrinho, identificado apenas como um barbeiro. A madrinha, uma comadre parteira muito religiosa, passa a contribuir com a formação do pequeno que, pouco afeito aos estudos e sempre metido em travessuras, se torna um jovem malandro e sem qualquer perspectiva de futuro.
Acontece que o rapaz se apaixona pela tímida Luisinha, sobrinha de uma amiga de seu padrinho, a rica e tradicional D. Maria, que tinha como passatempo as causas judiciais. Mesmo balançada com as investidas do protagonista, a jovem se casa com o ambicioso José Manuel, homem mais velho que a conquista interessado em seu patrimônio financeiro. Desiludido, Leonardo volta aos modos vadios e passa a ser perseguido pelo Major Vidigal, enérgico caçador de ociosos e arruaceiros do Rio de Janeiro, que já havia, anos antes, prendido o seu pai. Entre muitos episódios desastrosos, acaba se alistando ao serviço policial, não deixando, pelo serviço, de aprontar e causar aborrecimento a seus superiores.
Leonardo Pataca é uma figura que se sobressai na obra, chegando a ser encarado por muitos como co-protagonista. Ele envolve-se com uma cigana e passa por situações muito semelhantes àquelas vividas pelo filho, com quem contribui para a desconstrução jocosa do herói convencional realizada por Manuel Antônio de Almeida. O autor trata de forma incrível o quadro social de sua época, discutindo hierarquias e preferindo focar sua escrita nos elementos que pertencem às classes periféricas, algo advindo, claro, de seu trabalho no suporte jornal, fonte de leitura não particularmente voltada à elite aristocrática.
É nítido contraste irônico entre as posturas exemplares dos personagens e as atitudes nada virtuosas destes, como é o caso do imponente Major Vidigal, que paga de defensor da lei, mas constantemente abusa de sua autoridade, também se corrompendo em troca do afeto de uma antiga namorada. Ainda temos a caricatura da parteira, uma típica falsa beata que, na prática, vai à igreja mais para fofocar que para ocupar-se da fé, além do caso do barbeiro, homem aparentemente bem apessoado que guarda uma mancha no passado, razão de sua boa condição financeira da qual não manifesta nenhum remorso. Fora a ingênua Luisinha, apenas o nosso protagonista apresenta uma conjuntura realmente coerente entre sua ação e personalidade, manifestando seu não enquadramento nos padrões então impostos sem qualquer máscara, num comportamento talvez típico da mocidade.
Apesar da alma picaresca, a obra demonstra certo compromisso com a descrição histórica. O livro incorpora a linguagem falada na época, ecoando os comentários satíricos dos noticiários impressos, verdadeiros observatórios do Brasil Colônia. O estilo direto e simples culmina numa apreciação bastante agradável, com os capítulos curtos (e até certo ponto independentes) prendendo a atenção do leitor. O narrador em terceira pessoa a todo o momento interfere no texto, fazendo observações perspicazes ou explicando determinados trechos em tom de conversa informal.
Manuel Antônio de Almeida conseguiu explorar as diversas facetas da sociedade oitocentista de maneira muito divertida e atraente, criando uma obra efetivamente sensacional.
Download gratuito do livro na biblioteca digital Domínio Público
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Referências Utilizadas:
ALMEIDA, M. A. Memórias de um sargento de milícias. São Paulo: Editora Globo, 2005. (Coleção Clássicos Globo)
ISBN: 9788525055521
BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994. pp. 132-134.
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Musicoteca: Idem (2005). Disco de Móveis Coloniais de Acaju.
Indico para acompanhar a leitura do livro este que é um dos meus discos favoritos. Os Móveis Coloniais de Acaju fazem um som bastante singular, misturando inúmeras influências que vão do rock ao ska, passando por música clássica e ritmos brasileiros, formando um verdadeiro caldeirão que combina com o arranjo frenético de Memórias de um Sargento de Milícias. As letras do primeiro álbum do grupo brasiliense são muito bem sacadas, jogando com o humor satírico e a ironia, de forma bem parecida à da narrativa de Manuel Antônio de Almeida.
omiaudoleao
/ 7 de fevereiro de 2016Esse livro li-o como leitura obrigatória, ainda na adolescência. Um livro divertido. Muitas gargalhadas dei.
Valnikson
/ 22 de fevereiro de 2016Também conheci o livro na escola e me diverti muito com a leitura! Grande abraço!
Bruno Bucis
/ 14 de fevereiro de 2016Adoro suas resenhas e, fundamentalmente, seu projeto – tanto que indiquei seu blog para o Prêmio Dardos. Dá uma conferida depois https://atoboga.wordpress.com/2016/02/14/nota-do-autor-premio-dardos/
Abraços
Valnikson
/ 22 de fevereiro de 2016Bruno, muito obrigado mesmo, pelo carinho e pela indicação! O seu blog também é demais! :)