Título: A Madona de Cedro
Autor: Antonio Callado
Primeira publicação: 1957
Modalidade: Ficção
Minha Edição: Editora José Olympio
“[…] o que ele queria era apenas o dinheiro suficiente para ser honesto.”
O carioca Antonio Callado sempre combinou em sua produção literária elementos reais e históricos. Em constante colaboração com alguns dos principais veículos de imprensa do país, como o Jornal do Brasil, O Globo e Correio da Manhã, estando a serviço da BBC em Londres por vários anos, ele fez de suas reportagens e coberturas especiais grandes fontes de observação e estudo para sua literatura. Nesta perspectiva, sua prosa ficcional demonstra-se bastante engajada com as grandes questões de seu tempo, envolvendo uma larga gama de temas sociais também presentes em seus trabalhos dramatúrgicos.
O autor recebeu várias condecorações e prêmios, no Brasil e no exterior. Com o reconhecimento, alguns de seus melhores textos publicados em periódicos foram reunidos em coletâneas, assim como os ótimos perfis biográficos que assinou receberam diversas reedições. Seu romance A Madona de Cedro lida com a culpa e a ideia de pecado, centrando-se no drama de um homem que, por amor, contraria seus valores morais.
No enredo, Delfino Montiel (Fininho) vive do comércio de esculturas em pedra-sabão que herdou de seu pai no município de Congonhas do Campo, no interior de Minas Gerais. Seu cotidiano pacato muda a partir do reencontro com um velho amigo, Adriano Mourão (Maneco), que diz trabalhar para Juca Vilanova, um rico colecionador de arte e negociante de antiguidades. O recém-chegado convence o protagonista a viajar com ele para o Rio de Janeiro, a fim de encontrar melhores oportunidades. Chegando lá, Delfino conhece a bela Marta (Mar), por quem se apaixona. Os dois iniciam um intenso romance e logo pensam em casamento, mas a união é ameaçada por problemas financeiros. A família da jovem recusa-se a abençoar o relacionamento enquanto o mineiro não possuir rendimento salarial.
A falta de dinheiro para o matrimônio faz com que Delfino aceite a proposta que Adriano fez em nome do patrão: roubar, em troca de uma grande quantia, uma imagem sacra de Nossa Senhora da Conceição talhada em cedro pelo ilustre Aleijadinho e delicadamente colorida pelo célebre Mestre Ataíde. Mesmo em conflito com seus princípios e crenças, ele acaba cometendo o crime para desposar a amada e constituir família, estabelecendo residência em Minas. A peça furtada, uma relíquia guardada no Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, a igreja matriz da cidade natal de Montiel, é então colocada dentro de uma vasilha de alumínio feita para o depósito de leite e embarcada num trem de ferro para o mandante Vilanova junto com uma fotografia de outra escultura, a de São Judas. Com o tempo, o arrependimento vai consumindo Fininho, que se vê novamente em dificuldade de recursos (desta vez, para criar os filhos) e é tentado a cometer outro delito.
Destacam-se na narrativa outras figuras que circundam a trama principal de forma bastante interessante. Lola Boba, uma mendiga atormentada pela própria mente, mostra-se a chave para o mistério envolvendo o autor do furto. O grotesco sacristão Pedro, por quem ela é enamorada, passa a suspeitar de Delfino, fazendo de tudo para comprovar sua teoria. Já o padre Estevão, responsável pela paróquia de onde a madona é retirada, reavalia a relevância de sua dedicação ao sacerdócio ao mesmo tempo em que contribui para a possível purgação dos erros praticados pelo personagem principal.
A história é narrada em terceira pessoa e transcorre durante a semana santa, envolvendo costumes vinculados à tradição católica no desenrolar da ação. O livro, à primeira vista, apresenta a estrutura de um conto policial deveras envolvente, mas sem grandes pretensões. Todavia, com o desvelar dos acontecimentos, a obra vai crescendo em suspense e atingindo uma dimensão maior através, principalmente, da análise interior dos personagens. O autor explora a técnica do fluxo de consciência, refletindo a forma desordenada com que se dá o pensamento de Delfino, do padre Estevão e até do misterioso Pedro, mostrando todos, por vários momentos, completamente entregues às próprias divagações.
Usando como base os casos não tão incomuns de furtos de esculturas sacras do barroco brasileiro, o escritor discute a opressão da fé colocando justamente um temente a deus como o responsável pelo sumiço de uma santa. A sagacidade crítica de Callado vem ligada à crise de consciência do protagonista em ter roubado a imagem sagrada, lucidamente tratada como fruto da dominação ideológica da religião, com a redenção podendo ser alcançada só por meio de alguma penitência dolorosa aos moldes bíblicos.
O romance vai fisgando o interesse do leitor aos poucos, promovendo uma pertinente reflexão sobre o livre-arbítrio, evidenciando como o ser humano pode ser cúmplice ou escravo de suas escolhas.
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Referências Utilizadas:
CALLADO, A. A madona de cedro. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 2014.
ISBN: 9788503012072
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Filmoteca: A Madona de Cedro (1968). Filme dirigido por Carlos Coimbra, com Leonardo Villar, Leila Diniz, Anselmo Duarte e Jofre Soares.
A ótima adaptação fílmica do romance de Callado foi realizada com capricho de atuações e direção segura. A produção consegue muito bem traduzir a atmosfera do livro para a tela grande, firmando-se como uma pérola do cinema nacional. Ressalto o excelente trabalho de Leonardo Villar na pele de Delfino, além da maravilhosa Leila Diniz no papel de Marta.