Título: Os Ratos
Autor: Dyonelio Machado
Primeira publicação: 1935
Modalidade: Ficção
Minha Edição: Editora Planeta
“Lhe dou mais um dia!”
O gaúcho Dyonelio Machado, formado em Medicina, adentrou ao meio intelectual através da militância comunista, começando a exercer a verve de escritor no suporte periódico. A especialização em psicanálise trouxe certa complexidade à sua ficção, principalmente no tocante ao engenho interior dos personagens. No marcante romance Os Ratos, percebemos esse cuidado da composição psicológica unida a um atento retrato da classe média brasileira atormentada pelos dissabores cotidianos no início do século XX.
A narrativa acompanha um dia na vida do funcionário público Naziazeno Barbosa, homem comum que se vê preocupado com a ameaça de corte no fornecimento de leite se sua dívida de 53 mil réis não seja quitada. A desolada esposa Adelaide argumenta que é possível ficar sem gelo e sem manteiga, mas não sem o leite do filho Mainho. Diante de toda a vizinhança, o leiteiro oferece até a manhã seguinte para conseguirem a quantia. O ultimato ecoa no pensamento do pai de família e, no bonde, no caminho para o trabalho, ele decide recorrer à ajuda do diretor de sua repartição, Dr. Romeiro, que já o havia auxiliado em ocasião anterior, quando precisava comprar remédios para o rebento. A fama de devedor e a suspeita de desonestidade, entretanto, em nada favorecem, levando o protagonista a vagar pelas ruas do centro de Porto Alegre em busca de algum empréstimo, apelando a outros conhecidos e a agiotas.
O livro de cerne aparentemente trivial é envolto em intensa obscuridade por meio do enfoque na relação do fragilizado personagem principal consigo mesmo e com o contexto em que está inserido. Mesmo empregando um narrador em terceira pessoa extremamente seco e objetivo, o autor utiliza-se do caótico ambiente urbano e do curto espaço de tempo em que decorre a ação para refletir a angústia sentida por Naziazeno, preso a uma condição que no fundo refuta. A exposição da constante sensação de encarceramento e da forte desilusão contidas em sua perspectiva contribui para que o leitor se aproxime de seu desassossego, com determinadas passagens propiciando um olhar mais sensível quanto à profundidade de um indivíduo à primeira vista tão comum e medíocre. A manifestação de seus erros e esperanças o tornam surpreendentemente crível ao mesmo tempo em que o seu drama constitui um protótipo perfeito para o traçar de eficiente crítica social.
Por meio de interessantes quebras de expectativa, Dyonelio Machado propõe a reflexão acerca da influência que o dinheiro exerce nas relações interpessoais, controlando os níveis de respeitabilidade e ética, regulando a dignidade humana. O título evoca a noção de que, para a população não-abastada, em uma conjuntura dominada pelo consumo, uma conta sanada logo daria espaço a outra conta atrasada. Os poucos recursos conquistados na labuta diária seriam rapidamente roídos pelos ratos do capitalismo, que perturbam o sono dos proletários. A falsa impressão de tranquilidade sem demora evidenciaria nova preocupação, como se o subconsciente tentasse disfarçar o prolongamento de uma tarefa sempre inacabada ou um papel nunca totalmente satisfeito. Os poderosos permaneceriam oprimindo e servindo-se das dificuldades dos mais pobres, talvez aniquilando seus sonhos.
A elegância linguística não afasta o escritor da realidade coloquial, com a transposição discursiva seguindo um padrão mais direto e econômico, o que também garante a boa fruição da leitura. Todavia, trata-se de uma experiência complexa, em que são semeados vestígios de sentido, através da descrição minuciosa principalmente de gestos e impulsos, que revelam importantes aspectos do comportamento e personalidade das figuras elencadas. O tempo é explorado como componente de sufocamento, impulsionando a ansiedade de Naziazeno em consequência da ameaça sofrida.
Essa arrebatadora obra prima da prosa nacional parte de elementos externos para desvendar o sombrio universo interno de um sujeito impotente, exposto à humilhação e à desgraça ante uma sociedade materialista. Trata-se de uma trama que impressiona pela sua singularidade e caráter político, expondo uma tensão que tende a permanecer na atualidade, com a mesquinhez e a aflição da busca por fundos continuamente assolando a humanidade, envolvendo sua existência em alienação e obsessão.
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Referências Utilizadas:
MACHADO, D. Os ratos. São Paulo: Planeta, 2004.
ISBN: 9788589885188
Jorge Sasgarante
/ 14 de janeiro de 2017sensacional :)
voltarei à livraria em que o vi
se não levaram, levá-lo-ei :)
evoé valnikson! sensacional trabalho feito aqui :) \o/
Valnikson Viana
/ 20 de fevereiro de 2017Hahaha! Espero que tenha conseguido mesmo o exemplar desse livro sensacional! Abração!
Jorge Sasgarante
/ 20 de fevereiro de 2017Auee!! Abração ae manolo!
foureaux
/ 14 de janeiro de 2017Um livro impressionante. Entre outras coisas: um exemplo da (ao) literatura que se produzia no Brasil nos idos anos 30 do século passado no RS. Exemplo que derruba a tese de que nesta década apenas o “Regionalismo” (nordestino) prestava na série literária Brasileira. Em que pese algum dissenso, João Luiz Lafetá estava certo. Excelente leitura!