Título: O Ventre
Autor: Carlos Heitor Cony
Primeira Publicação: 1958
Modalidade: Ficção
Minha Edição: Editora Companhia das Letras
“Nós sempre fôramos amáveis um com o outro, principalmente quando nos detestávamos.”
Carlos Heitor Cony escreveu este seu primeiro romance quando tinha 29 anos (em 1955) para um concurso literário da Academia Brasileira de Letras em conjunto com a então Secretaria da Cultura do Distrito Federal através da Prefeitura do Rio de Janeiro. O Ventre não recebeu o Prêmio Manuel Antônio de Almeida, mas foi publicado três anos depois, abrindo caminho para uma prolífica e elogiada produção literária. Curiosamente, o título do livro (que em sentido literal diz respeito ao nascimento, origem de algo) acaba remetendo a esta ótima estreia do autor como ficcionista.
O livro apresenta um protagonista pessimista e de linguagem rude, num enredo forte e instigante, marcado por ironia ácida e crítica aos valores morais da pequena burguesia na década de 1950. José Severo narra, em tom confessional, sua solidão em meio à rejeição familiar, tormento este que alcança todos os âmbitos de sua vida.
O personagem aparece perturbado pela presença da figura paterna autoritária e do irmão (não nomeado) que, diferente dele, consegue se integrar aos ensinamentos do pai, tornando-se preferido. A mãe também aparenta rejeitá-lo. As únicas pessoas que demonstram se importar com sua presença são Julinho, seu vizinho e confidente, e Helena, por quem sempre foi apaixonado.
O relato revoltado de Severo pode se tornar agressivo aos leitores mais castos. Trata-se de uma narrativa que, a meu ver, se tratando de inspiração, é um misto de Nelson Rodrigues com Machado de Assis. A vida de dois irmãos é contada pelo bastardo, que descreve, com visão seca, negativa e crítica, os acontecimentos desde sua concepção, passando pela rebeldia e descobertas sexuais, até o amor comum à mesma mulher. A instituição familiar é desconstruída, assim como a burguesia cínica, aos moldes dos dois grandes escritores citados.
A linguagem é enxuta, simples, não articulando qualquer elemento poético ou neologismo. A narrativa, magistral, atravessa o grotesco e o sublime, causando ao mesmo tempo encantamento e repulsa.
Cony marcou seu nome nas letras brasileiras criando uma obra transgressora, um retrato verossímil e trágico da vida de um homem aparentemente comum, mas cuja personalidade conquistou tanto a crítica quanto o seu fiel público leitor.
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Referências Utilizadas:
CONY, C. H. O ventre. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
ISBN: 9788571647596
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Musicoteca: Todos os Olhos (1973). Disco de Tom Zé.
Este álbum de Tom Zé, genial desde a arte de capa (idealizada pelo grande poeta Décio Pignatari), é um ótimo acompanhamento para a leitura do livro de Cony. O autor, também jornalista, foi militante contra a ditadura militar. Todos os Olhos conseguiu burlar a censura artística realizada pelo regime autoritário e tornou-se um clássico subversivo da nossa música.
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