Título: Um Copo de Cólera
Autor: Raduan Nassar
Primeira Publicação: 1978
Modalidade: Ficção
Minha Edição: Editora Companhia das Letras
“[…] e alguém tinha de pagar, alguém sempre tem de pagar queira ou não…”
Raduan Nassar é um escritor raro. Mesmo com uma produção literária curta, o autor paulista lapidou obras-primas que se tornaram verdadeiros clássicos da literatura brasileira contemporânea, principalmente por seu nível de excelência em linguagem e estilo. Um destes tesouros é a forte novela Um copo de Cólera, cujo enredo gira em torno de um casal de anônimos, durante uma noite e o dia que a sucede.
Todo o livro é narrado pelo protagonista masculino, com a história se passando em sua chácara. Este homem descreve, em ritmo progressivo, a relação com a personagem principal feminina que, à princípio, demonstra-se como um tórrido e descomplicado caso. A harmonia entre os dois amantes é rompida por um motivo banal, fazendo-os iniciar uma violenta discussão que acaba por revelar verdades escondidas e pensamentos antagônicos. O narrador-protagonista irrita-se com formigas que estariam destruindo sua cerca viva e passa a atacar a colônia de onde elas saíam. A companheira ironiza tal operação e ele se volta contra ela, promovendo agressiva guerra verbal.
A linguagem apurada empregada por Nassar demarca intensidade e minimalismo ao desenvolvimento textual. A leitura é fluida, mas não perde seu teor sufocante. A forma como cada uma das setes seções que dividem o impresso foram estruturadas, com apenas um parágrafo e um período gramatical, atribui-se à técnica do “fluxo de consciência”, bastante empregada por autores modernos. Todavia, nota-se que a trama é dividida em movimentos bem pontuais, vibrantemente ligados em continuidade. A parte final apresenta o deslocamento da narrativa para a voz da mulher, sendo de grande importância para a amarração do enredo.
Ademais, a obra chama atenção para o jogo de incomunicação, contradição e incoerência de comportamentos contido nas relações do seres humanos, que tendem a conter suas emoções à flor da pele, vivendo à beira de um ataque absurdo de agressividade e selvageria, como um copo quase cheio prestes a receber a gota que o fará transbordar. Um Copo de Cólera é um livro à primeira vista simples, mas que certamente se revela impactante a cada página. Mesmo reiterando seu desinteresse pela escrita e abandonando a pena, Nassar deixou sua marca, decerto sucinta, mas bastante significativa em nossas letras.
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Referências Utilizadas:
NASSAR, R. Um copo de cólera. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
ISBN: 9788571642430
CUNHA, R. As formigas e o fel: literatura e cinema em Um copo de cólera. São Paulo: Annablume, 2006.
ISBN: 9788574195773
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Filmoteca: Um Copo de Cólera (1999). Filme dirigido por Aluizio Abranches, com Júlia Lemmertz e Alexandre Borges.
A adaptação do livro para o cinema não possui a densidade e o impacto da narrativa escrita, não passando de um longa-metragem mediano. No mais, a produção com ares de chanchada se faz lembrada pelas cenas de conflito do casal protagonista e pela forma como o diretor conduziu a linha de acontecimentos que compõe a história.
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Musicoteca: Cabeça Dinossauro (1986). Disco de Titãs.
Indico o som da banda paulista Titãs para acompanhar a leitura desta obra de Nassar. O clássico disco Cabeça Dinossauro já comemorou mais de vinte e cinco anos de história e muito reflete a fúria do livro.
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